Era uma terça feira, me lembro como se fosse hoje.
Numa tarde fria de julho, período de férias escolares, papai não havia ido
trabalhar. Não sabia bem qual o motivo, ele nunca dava explicações sobre sua
vida.
Mamãe era uma executiva de uma grande instituição
financeira, e como tal sempre trabalhava até mais tarde, mesmo assim, nunca fora
uma pessoa ausente. Dentro do possível, me dava atenção e carinho. Papai era advogado
e tinha horários flexíveis, porém nunca havia ficado em casa durante o dia,
sempre dizia estar muito ocupado. Na verdade sempre o senti ausente.
Sabia que os dois não viviam bem. Sempre ouvia ela
o acusar de ser um marido omisso, e até mesmo de estar saindo com outras
mulheres. Mas eu nunca quis me intrometer, achava aquilo coisa de adulto. Fora isso,
não tinha do que reclamar, sempre tive de tudo.
Eu havia completado 15 anos a poucos dias, minhas
curvas estavam mais definidas, as novas emoções e reações me deslumbravam,
afinal é uma idade muito especial e eu parecia muito mais feminina. Estava de
bem comigo, feliz, era uma nova fase da minha vida. Pensava nisso tudo quando ouvi.
- Filha venha assistir o filme que papai
alugou, acho que você vai gostar. - Era meu pai.
Estranhei, mas achei legal ele ter escolhido um filme para que
pudéssemos assistir juntos. Havia muito tempo que não sabia o que era passar um
final de tarde com ele. Aliás, não me recordava de ter ocorrido isso
anteriormente.
Ao entrar no quarto, o encontrei sentado na cama,
encostado na cabeceira, o filme estava no inicio. Sem qualquer malícia ou receio me recostei
em seu colo. Apesar de não me sentir confortável, pois havia algo de estranho, percebia que ele não tirava os olhos de
mim. Mesmo assim fiquei ali ao lado dele. Afinal era meu pai.
- Filha como você está bonita. Já é uma moça! - Me disse com uma voz diferente, quase
rouca.
- Papai.. eu... eu... - Tentei falar algo, mas a
voz não saiu. Estupefata, tremula, sem reação, pois ele, ao dizer isso, já foi
me tocando de uma maneira estranha. A certa altura desabotoou minha blusa e
começou a beijar meus seios. Depois não percebi mais nada. Foi como se o mundo
desabasse sobre minha cabeça. Tudo escureceu. Senti vontade de gritar, esmurrar, chutar,
morder, beliscar, me defender, mas tudo aquilo não fazia sentido. Aquele homem
que eu via como um pai, amigo, protetor, transformara-se num monstro. Senti tanto
medo, nojo, asco. Calada, nada fiz. Só conseguia soluçar um choro sem lágrimas,
seco e amargo, de vergonha e culpa. Hoje percebo que era ódio.
O tempo passava e os assédios se tornaram constante,
até que minha mãe desconfiada, pois ele constantemente ficava em casa e a minha
mudança de comportamento de saber que ficaria sozinha com ele, me perguntou o
que havia de errado comigo, eu apenas chorei. Ela entendeu. Foi quando se separaram
e ela denunciou aquele homem (monstro). Por ser influente e ter bons
antecedentes, ele não ficou preso. Mas eu me tornei refém do que vivi, e até
hoje esse fantasma me assombra. Dói.
Desde então não gosto do período de férias, tenho
medo de ficar só com alguém. Não confio em ninguém. Só agora, aos 25 anos arrumei meu primeiro
namorado, que apesar de ser o oposto daquele homem que dizia ser meu pai,
algumas vezes o vejo como tal. Afinal foram quase três anos de abusos e
sofrimento.
Esse relato poderia ser mais uma obra de ficção relato, porém é uma história real, infelizmente. Os abusos contra crianças, jovens, adolescentes e,
até mesmo mulheres, na maioria das vezes são cometidos por um ente próximo da
família. Foi constatado numa pesquisa que os casos mais frequentes acontecem
dentro de casa.
Fica aqui um relato, triste, até chocante, mas que serve de aviso. Prestem atenção nas mudanças de comportamento das crianças. Eles dizem mais que palavras.
ecobueno