Caminhar por entre a multidão e não conhecer
ninguém é algo, no mínimo curioso. Mesmo rodeado de pessoas, ainda assim dá aquela sensação
de vazio e solidão. Que situação estranha, tantos rostos e nenhum familiar! Bate uma saudade não sei bem porque, um medo
não sei bem de quê, e a vontade louca de voltar para o afago de um olhar
conhecido.
Era o que sentia ao caminhar por entre os prédios antigos
e as ruas estreitas do centro velho de São Paulo, apesar do movimento intenso e
o coro dos ambulantes querendo a atenção (dinheiro) dos transeuntes, Precisam faturar, afinal.
Após terminar minha incursão pelos “labirintos” dessa cidade fria e cinzenta e pôr
fim a essa solidão, segui célere pela Rua da Consolação rumo ao estacionamento
da Praça Roosevelt, onde estava o carro. Ao chegar na esquina com a Rua Nestor Pestana me
deparei com uma cena muito insólita. Em meio ao caos da cidade ouvia, além de buzinas estridentes, vozes de alguns motoristas que colocavam o corpo para fora da
janela do carro e aos berros proferiam palavrões. Qual seria o motivo de tanta
ira?
Aparentando muito mais idade que verdadeiramente poderia
ter, devido aos seus trajes surrados, rosto sofrido, cabelos sem corte, que mal
se ajeitavam sob o boné, sem cor definida, reflexo da exposição excessiva ao sol.
Os pés calçados com aquelas famosas sandálias de grife internacional, alojadas
por entre os vãos dos dedos, que faltavam nos calcanhares, sem glamour algum, revelando
a realidade de um pedaço de borracha, que mal servia para proteger as solas
calejadas. Uma mulher com visível esforço, indiferente aos xingamentos, determinada,
puxava uma carroça com materiais que encontrara pela calçada.
À sua frente, duas crianças, um casal que não
aparentava mais que sete ou oito anos, com suas vestes também surradas. Ele mais
novo, de cabelos raspados, olhar vívido, porém distante, camiseta e bermuda,
ambos desbotados, os tênis encardidos que não lhe serviam mais nos pés e por
isso era usado como se fossem sandálias. Ela com os cabelos curtos e
emaranhados, emoldurando seu rosto de olhos miúdos e brilhantes, uma blusinha rosa com alças que pendiam dos ombros, denunciando que era de um numero maior, fazia par com uma bermuda preta. Nos pés a sandália
com tirinhas amareladas pelo tempo, mas que ainda lhe serviam. Alheios à
realidade, os dois pareciam se divertir como qualquer criança dessa idade.
Quantas pessoas perambulam pelas ruas da cidade diariamente puxando uma carroça, porque o espanto? Indaguei, tentando não me sensibilizar. Mas era impossível
ignorar tal cena. A mulher e, possivelmente, seus filhos, com aquela carroça “atrapalhava”
o trânsito e isso era motivo de ira dos motoristas que afloravam seus instintos
mais primitivos. Ela era hostilizada por cometer tamanha heresia, impedir a boa
fluidez do transito. Que fosse puxar a carroça em outro lugar, ali não!
Fiquei sem ação diante de tamanha covardia
daqueles que se veem como civilizadas e se acham superiores só por terem uma
condição “melhor” (será?). Envergonhado, pude notar o tamanho da minha pequenez
e insignificância diante de tanta ignorância. Minha solidão se
misturou a angustia e a sensação de impotência. Deixei a cidade para traz, mas
ela corrói m’alma e dilacera meus sentimentos e ainda mantem vivo em mim a cena que traduz o peso da intolerância.
ecobueno