Uma das coisas que não gostamos de falar é que, todo dia morremos um pouco. Não é algo agradável de se falar, mas convivemos com isso todos os dias. Tinha uma frase que minha avó sempre dizia, “se não está remediado, remediado está”. Então, dia menos dia iremos nos deparar com essa realidade: O apagar das luzes.
Mas qual será o motivo em que relutamos tanto para entrar nesse tipo de detalhe? Isso mesmo, detalhe, pois temos tantos momentos magníficos, o nascimento, o aprendizado, o amor dos pais, os amigos, saúde, trabalho, e tantas coisas que já valeriam esse viver, então não deveríamos ter medo de falar a respeito. É estranho escrever sobre isso, algo que a gente não quer, mas é real. Por que morremos?
Essa é uma pergunta que não gostaríamos de fazer e tão pouco responder. Todos preferem o “Por que vivemos?”. Mas a verdade é que morremos um pouco a cada dia. Eu morro um pouco cada vez que um novo ano se inicia, a cada aniversário. Também morro quando vejo tantas mazelas desses ditos nossos representantes políticos, a cada notícia de atentado a bomba, seqüestro, mortes banais e essa arrogância dos poderosos para com os menos favorecidos. Uma célula em mim é assassinada a todo instante.
A cada dia sinto que a idade avança, essa linda juventude será apenas uma lembrança do passado. Quando a idade apertar, se é que chegarei até ela, lembrarei que jamais sentirei pulsar novamente um seio jovem em minhas mãos, e que a agilidade que tanto me gabava, não a terei mais. Por isso a cada dia, morro um pouco.
Morro um pouco a cada dia, ao ver essa juventude sem perspectiva, tão consumista, só querem ter, e tão alheia ao viver ao ser. Morro um pouco a cada dia, quando ouço essas musicas, se é que se pode chamar de música, isso que nos empurram ouvidos adentro e, acreditem, é o som do momento, está nas paradas, as dez mais, etc. Assistir tanta banalidade na tv, programas que exploram a miséria humana, novelas intermináveis que mostra o quanto é fácil trocar de amantes, o quanto a vida é fútil. Revistas que evidenciam os artistas e suas casas chiques, automóveis de luxo, viagens, posses, e deixam a alma tão vazia. Riquezas conseguidas ás custas dos fãs tão pobres que economizam para poder comprar um CD, roupa, calçado, e tudo o mais que tenha a marca do ídolo. Morro ao ver que os estudos são desprezados por carreiras meteóricas, onde o ser famoso é mais importante que ser culto, critico, inteligente, humano.
Morro a um pouco a cada dia, ao lembrar do abandono, da falta de carinho, do tão esquecido beijo na boca, do sexo com amor e respeito. Essa vertiginosa busca por mais e mais prazeres e menos emoção e sentimento verdadeiro, temos que ser uma máquina sexual, sensual, etc e tal. Esse estado de letargia que toma os casais e que levam à rotina, a falta de compreensão para com os “defeitos” alheios como se fossemos todos perfeitos.
Morro um pouco a cada momento quando lembro que nunca mais recebi um oi de um amigo tão querido, quando envio cartas e elas retornam com o endereço errado. Quando me recordo que um dia dei o meu amor e ele jamais foi correspondido e essas lembranças ainda corroem a alma. Morro um pouco a cada dia quando sinto que posso tocar nessa imensa solidão e provar o silêncio. Os entes queridos que se vão, as crianças que crescem e não querem mais passear com os pais caretas, os tios ultrapassados, melhor andar com a “tribo”. Sair para as baladas, festas, diversão... tudo vão.
Morro um pouco a cada dia quando paro nos sinais e vejo uma criança pedinte, qual será o seu futuro? Quando ando nas ruas da cidade e lá estão tantos andarilhos e mendigos, que nada mais são que minha imagem e semelhança. Quando olho nos suntuosos palácios, prédios todos em mármore com suas marquises frequentadas por pessoas maltrapilhas se escondendo do frio, da chuva e sequer possuem um canto para se aquecerem. O paradoxo da riqueza e pobreza.
Morro a cada dia porque sou simplesmente humano e estou aqui apenas para cumprir o ciclo da vida, “crescei e multiplicai”. Morro a cada dia, mesmo não querendo. E cada ano que passa isso se torna mais evidente nas recordações, no reflexo do espelho. Morro, a cada instante um pouco, e nem por isso deixo de ter esperança no viver. Morro sim, como todos morrem, envelheço sim, e isso não me preocupa, pois o mais importante é acreditar que ao vivermos cumprimos nosso papel e quando chegar o momento, das luzes se apagarem e as cortinas cerrarem, haverá sempre uma nova vida, que continuará o que planejamos.
Então antes que isso aconteça, melhor ouvir melhores músicas, ler bons livros, ir ao teatro, ao cinema não como meros expectadores e sim como formadores de opinião. Ler uma coluna de jornal e debatê-la. Mesmo não sendo poeta ou escritor, escreva ao menos uma carta de felicitações, ou um simples “oi, como vai?”. Nunca perder o endereço do amigo querido. Mesmo que os “amores” do passado se forem, lembre-se que eles um dia foram atuais, então melhor compartilhar com outro alguém, um novo amor, sem medo de ser feliz.
Antes que o tempo nos leve, melhor fazer uma criança sorrir, dar um pouco de alento á quem precisa, dar um abraço carinhoso sem cobrar nada em troca. Se possível, dê um presente á um órfão, mesmo que seja apenas sua companhia. Escolha melhores amigos. De um beijo demorado em seu companheiro (a), e recorde o quanto era bom namorar. Brinque mais, sorria mais, trabalhe menos, não diga que precisa sempre de mais dinheiro, torne o que tens o suficiente para o seu viver. Viva mais, porque morremos um pouco a cada dia, e nada volta atrás.
Sei que morro um pouco a cada dia, mas quando as luzes se apagarem e as cortinas dessa vida cerrarem, valerá ao menos ter vivido esse pouco tempo que tive aqui, intensamente, e saber que ao menos eu fui feliz, por te conhecer.
Ecobueno