quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

De Natal a natais

Nesta época é mais do que comum o lugar comum (que trocadilho mais infame), mas é assim mesmo. Entra ano, sai ano e o que era para ser Natal, torna-se meros natais. A expressão “renovar as esperanças”, ou “é tempo de paz”, já se transformaram em jargões ditos apenas para fixar o mais do mesmo.

As mensagens de boas festas, paz, fraternidade, contrastam com a realidade. Então me pergunto por que tais desejos não são feitos o ano todo, sem que seja necessário uma data específica para essas manifestações?

Essa data, o solstício que foi apropriado pela religião e pelo folclore, se tornou num momento paradoxal em que se discursa sobre bons sentimentos enquanto se consome em ritmo febril. E até mesmo os nacionalistas de plantão se calam diante desse contraste que é o “bom velhinho” que não tem a cara do nosso clima de mais de 30 graus nessa época do ano. Então me ponho a pensar em como a generosidade e o respeito, só para ficar nesses dois itens, andam em falta nos tempos atuais.

Somo seres sociáveis, e por isso, de certa forma, sofremos a influência do meio, e nessa época nos esquecemos do racional, pois é tudo bonito, alegre e colorido. É mais fácil, como fizeram conosco, alimentar o imaginário infantil sem se dar conta de que tudo isso vai contra a corrente do que elas serão amanhã. O senso crítico incomoda? Estamos subestimando a inteligência desses seres curiosos e criativos, as crianças.

Cultivamos, com a desculpa de que é um dia de comemorações e fantasias, mas esquecemos que é impossível uma figura tão discrepante fazer o que ele faz em todos os lares, e no mesmo horário. E quem não pode ter essa fantasia concretizada por falta de condições ou pelo simples fato de que sua cultura ou religião não permitem, serão condenados? Onde está a fraternidade então? Desilusão!

Sim necessitamos de alguma fantasia, somos carne e pensamento, um não dissocia do outro, e do mesmo modo o Natal é ficar feliz em dar e receber presentes, é ver as crianças alegres com o que ganham, reunir a família (quem as tem) e pronto, sem místicas ou melancolias. Não é necessário ter essas figuras pitorescas para embalar nossos sonhos.
 
Perdi mãe, pai e tantos outros, sem contar a decepção pessoal que abalou minha confiança e levou parte da minha crença e fé, e apesar das frases consoladoras, “É a vida” (Não! É a morte mesmo), “Tudo vai ficar bem” (defina o que é “bem”), descobri que a dor ganha intervalos, mas a ausência fica. O vazio é o que mais dói.

Hoje, tudo isso só veio para reforçar em mim a certeza, do que me resta e vale a pena, é ver o sorriso sincero estampado no rosto das crianças. Essa sim é a melhor maneira de encerrar o ano - ainda bem - como o fecho do capítulo de um livro que ainda não terminou (Até quando conseguirei escrevê-lo?) e não essas festas e personagens com seus afagos sem nenhum sentimento, sem nada a acrescentar. Só fazem lembrar que o melhor dessa época é consumir, pois é dando que se recebe e nada mais. Se isso não ocorre o que resta é a melancolia de uma data vazia. Hôhôhô..

 

 
 

sábado, 21 de dezembro de 2013

Meu Conto de Natal


Numa estrada escura, deserta, a brisa fresca no rosto, o odor cálido das damas-da-noite, o som surdo do vento nos troncos secos e ocos, o canto solitário e agourento de uma coruja e o sobrevoo de vaga-lumes que eram a única fonte de luz na escuridão, ele seguia, sem trenó, a passos lentos e sem rumo.

Com seu olhar distante, perdido, horizonte limitado, buscando algo; mas o que mirar? Mesmo que quisesse a escuridão interna não permitia.  Os pés, nessa caminhada indecisa, trôpegos, hora pisavam em poças de lama e água, hora insistiam em não seguir adiante, pois pouco importava se estavam chegando ou partindo.

As mãos trêmulas tentando alcançar as imagens que surgiam e sumiam (luzes dos piscas-piscas?), miragens, revelando seu estado de embriagues sentimental. Nessa mistura de vazio e solidão, um emaranhado de ilusões e de dores verdadeiras, trituravam lentamente os sentimentos de outrora, inteiros, que agora aos cacos iam ao chão.

Tantas lembranças habitavam seu pensamento, mas nada de concreto que fizesse ter um norte, uma direção, um rumo. Apenas o caminhar... caminhar... caminhar, até onde as pernas pudessem aguentar. O que fizera de errado para ter esses momentos? Indagava.

Ao fundo uma voz lúgubre dizia: “Benvindo a sua nova realidade”. E como se quisesse fugir e não mais ouvir aquela voz, apertava os passos. Mas a voz também aumentava no mesmo ritmo e seu tom imperativo bramia: “Esse lugar que agora habitas é o fundo, e daqui o retorno será difícil, melhor se acostumar”.
  
Assim seguiam as horas, o tempo. Não havia divisão entre dias e noites. Era apenas uma sequência. Tudo não passava de escuridão. Parecia que jamais amanheceria outra vez. O jeito seria se acostumar às sombras e a penumbra, como havia dito aquela voz.

Quando tudo levava a crer que seria mais uma noite longa e sem volta, onde sucumbiria à lúgubre solidão, eis que de repente, num átimo de segundo, surge um raio de luz com brilho intenso, único e sem ofuscar sua visão, abre um imenso salão. Um novo horizonte! Tal luz revela um sorriso sincero, mãos estendidas, braços que o acolheu num abraço terno. Ali, ainda, no colo recostado, podia ouvir as batidas de um pulsar – coração – era o som da vida, novamente.


Antes o caminho era sem rumo, as coisas pareciam não ter mais brilho. Todas as lembranças eram de um passado amargo e sombrio. A desilusão, a solidão e o desprezo era o que imperava. Não havia o que comemorar. Agora tudo isso servia para aumentar a importância do viver, que traz a certeza do quão importante é ter esse brilho. Seu olhar!

Ecobueno13!

sábado, 14 de dezembro de 2013

Abstração

Esse frescor, essa espontaneidade, essa alegria, ao mesmo tempo serena e sensual não é para qualquer um. Isso é advindo especialmente da estrutura única, especial, da beleza interna que reside em um ser maravilhado.

A relevância desse ser, está naquilo que ele consegue expor sem se expor. É a forte emoção que nos causa, mesmo sem se ter a ideia absoluta dela. São essas sensações implícitas que as revelam, seres plenos e verdadeiros. 

Dentro dessa semântica de corpo, espaço e movimento, tem-se a conclusão do sentimento que transcende em energia, simpatia e deságua em poesia. É o mesmo moto contínuo dessa força que rege sua essência. Enlevada.  

Isso tudo não é só a exaltação a beleza exterior, ou daquilo que condiciona-se  – padronizando – a beleza. Muito menos uma nostalgia sobre algo tão singelo que teríamos perdido na agitação dos nossos dias nas grandes cidades, intensos é bem verdade, mas quase sempre sem a devida delicadeza  que o ser encantado possui. O que seria uma constatação tacanha.

Essa descrição, um tanto quanto abstrata vai de encontro ao real, que preenche os espaços vazios que circundam, nessa linha tênue, a cidade tão fria e impessoal. É a discrepância entre modernidade e desencanto. Contra essa ideia de que a razão e a ciência nos cortaram a intuição, a sensibilidade e o dom da grandeza.

Descrever o indescritível, nada fácil. Mas a abstração da linguagem se revela nessa imagem, matizes perfeitas, tons e sobre tons, presença marcante, figura humana. Essa figura que se apresenta sílfide, de movimentos leves, fortes, dançante, que preenche os espaços. Percorre todos os caminhos e impera, pura e simplesmente, na imensidão azul, que chamamos de infinito, teto. Essa abstração se revela na complexidade da beleza feminina!

 Ecobueno13




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Pouco Muito Tempo

 
                                                        Poucas são as horas
                           Também raros os momentos
                           Apesar disso, intensos
                           Preenchem outros dias 

                                                       O tempo, mero detalhe
                           Que se dissipa
                           Com a tua chegada
                           Divino entalhe! 

                           Segunda e quarta-feira
                           Curta, parece a semana
                           Porém não apequena
                           Sensação verdadeira 

                           Inteira permanece
                           Dilui a ausência profana
                           Quando alma iluminada
                           Tais sentidos, apetece
 
                           Então, torna-se vã
                           Essa luz lúgubre
                           Quando surges
                           Finda saudade terçã 
 
                           Ecobueno13

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Padma (Flor de Lótus)

                  
                                                        Dos Quatro elementos
                                                        Terra, água, fogo e ar
                                                        Em pétalas de encantos
                                                        A quinta essência, vem aflorar 

                                                        Sua existência, um desafio p'ciência   
                                                        A perseverança de suas sementes
                                                        Espreitam em longa dormência
                                                        Para eclodir, no exato instante

                                                        Cresce, enigmática, sem igual
                                                        Se eleva das águas turvas, vívida
                                                        Para florir uma riqueza paradoxal
                                                        Despertando do lodo, alma límpida
 
                                                        Refletido na matiz das cores
                                                        Azul, branca, rosa e vermelha
                                                        A elevação espiritual e valores
                                                        Para os seres, divina centelha 
 
                                                        Contêm na delicadeza da sua fragrância
                                                        Perfeição, pureza, graça e elegância
                                                        Regula sua temperatura igual a dos corpos
                                                        Botão, coração, és assim Flor de Lótus

Ecobueno13

 

 

 

sábado, 30 de novembro de 2013

Coisas que Esquecemos


Coisas que esquecemos
Mas não demora relembrarmos
Hoje você se alimentou,
E de agradecer, se lembrou?
Ah, não tinha o que você imaginou?
Então, simplesmente reclamou
Como estava o dia, não lhe agradou?
Por isso se ressentiu, malversou?
Mas, e aí, alguma coisa faltou?
Ou você nem notou?
Sei, de outras preocupações, se ocupou
Pois é, lembre-se:
Muitos vivem do que lhes restou
E ao chegar o dia que minguou
Do instinto de sobrevivência se fartou
E rotineiramente o dia se levantou e se deitou
Mas só por querer continuar, se fartou


Ecobueno13



Inquantificável


Outra vez! Poderia dizer que a rotina do viver é algo que nos faz seguir adiante. Mas a minha “outra vez”,  em nada acrescenta ao meu viver. Acho.

Foi mais uma cirurgia para a retirada de cálculos renais que resultou na colocação do “Duplo J”. Após a cirurgia realizada no HC da FMUSP de São Paulo, voltei para casa para a devida recuperação.

Alguns dias depois ocorreu um acidente, o fio que segura o “Duplo J” – uma espécie de cateter - que ajuda numa extração mais pratica e sem anestesias, enroscou no zíper da calça e quase fiz uma extração caseira. Resultado, além da dor, continência urinária. Voltei para o hospital, nova internação. Mais uma noite no leito de um hospital. Rotina, ultimamente.

Mesmo com o susto, o imprevisto, no outro dia a retirada do “Duplo J”, aconteceu  sem sustos e sobressaltos, o retorno para casa foi tranquilo. Ufa!

Apesar de tudo isso trazer grande desconforto e um tremendo susto, não posso  deixar de agradecer e lembrar da parte boa e engrandecedora que isso tudo traz.

Essa parte se chama solidariedade, atenção, carinho e disponibilização de um tempo que é único, para se dedicar as minhas necessidades. Não estou aqui, apesar da sua importância, falando dos médicos e seu estafe, enfermeiros, auxiliares, técnicos e outros que fazem parte do corpo hospitalar, pois eles são pagos para tal.

Tal representatividade advêm de alguém. Uma pessoa que apesar de tudo, tira de seus momentos, que são preciosos, uma parte para me acompanhar, fazer a internação, ir me buscar e me dar o conforto tão imprescindível. Sem nada receber por tudo isso. E além do mais, com essa atitude acaba contaminado e levando a reboque outros dos seus, que muitas vezes desviam seus caminhos para seguir junto ao meu e às minhas necessidades.

Paes, irmãos e amigos, todos que a rodeiam, me trazem a sensação do quão preciosos são os elos que construímos ao longo dessa vida tão curta, veloz e incerta quanto ao futuro próximo.

Faltam palavras para descrever o que sinto ao receber esse carinho. Carinho esse que tem valor inestimável. Não é possível dimensionar nem quantificar, afinal quem sou para invadir o seio e a rotina de outras pessoas? Pessoas essas que, simplesmente por serem a mais pura representação do que é verdadeiramente humano me emprestam suas rotinas, suas mãos e coração e, dessa maneira  me ajudam nessa caminhada, onde ser só é tão difícil.  

A solidariedade é o presente mais completo que podemos receber nesse nosso caminhar. Por isso não poderia deixar de expressar, mesmo que dessa maneira, tão peculiar, minha enorme gratidão para esses que me fazem me sentir, apesar da dor física, um pouco mais confortável quanto ás dores da alma.
Por isso uso esse meio – redes sociais – para deixar registrado o meu eterno agradecimento e carinho, a todos que fazem tanto por tão pouco. Me sinto acolhido por todos da família Assunção e em especial a ti, Quésia.
Ecobueno13

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Ecos do Silêncio

 
Zero hora: Que horário enigmático
É meia noite, ou noite e meia?
É inicio do dia ou fim da noite?
É meia hora, hora inteira, ou hora e meia?
Só sei que é noite, escuridão impera
Os questionamentos ecoam no vazio do silêncio
Contraditório, pois o som não se propaga no vácuo
Então se é noite, tem ou não dia?
Se há silêncio, cadê o eco? (eu?)
Esse eterno paradoxo, zero hora, enfim
Pode ser tanto inicio quanto fim...
Ecobueno


Física


Entre tu e o universo sou
Átomo
Pequenina, invisível, indivisível
Partícula
Entre tu e o céu de estrelas, sou
Metafórico
Ah! Queria ser igual a flor
Pétala
Colorir, aromatizar, te encantar. Ser
Metabólico
Entre tu e o horizonte, o que sou?
Ilógico
E tu, um ser maravilhoso
Metafísico
Entre tu, o firmamento e eu
Metátese
Entre tu e o infinito, ascendente,
Êxtase
Nisso tudo físico, que fiz? Teu ser
Quis!
Ecobueno

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Vale a Pena!


O caminho do viver às vezes é difícil, repleto de pedras, frio, triste e solitário, mas vale a pena! Ele se revela no verde esperança das árvores. No oliva das folhas. Nesse imenso colorido das flores. Se sustenta no verde escuro, quase marrom, dos caules rijos dessa intrigante natureza.

Até mesmo no negro do asfalto. No cinza do concreto. Nessa imensa cidade que reflete em seus espelhos a grandeza desses edifícios que se erguem verticalmente rumo ao céu azul anil. Formando essa natureza, artificial, selva de pedras, sim, mas é ela que nos abriga.

Nesse mar verde esmeralda, que se junta ao horizonte infinito onde o pôr-do-sol com cores que chamuscam o céu num vermelho amarelado, à tardinha. A espuma das ondas que quebram nas pedras sem parar, ou deságuam na areia branca, rebentam no ar esse som inconfundível de um ir e vir incansável. Essa mistura do aroma salobro com o doce de um perfume característico de maresia, é a brisa a beira mar.

A vida é bela, incessante, um despertar, no brilho dos olhos que se mostram de variadas cores: o ébano, o castanho dourado, o verde musgo, o azul, os mesmos olhos que recebem e filtram a luz em imagens que são definidas e identificadas, belas e únicas, que podemos ver.

A vida é grandiosa no sorriso vívido e maroto de uma criança. É a descoberta em cada novo gesto, em cada pergunta respondida. É livre como os cabelos desgrenhados ao vento. Ou como seus pensamentos.

A vida é atrevida, no vermelho dos lábios, na maciez da pele, na delicadeza do toque. A vida é descoberta, nos desejos, no calor dos corpos. Nas trocas de carinho. A vida é perpetuada pela semente fecundada.

Mesmo dormindo continuamos a viver. A vida é o descanso, para reabilitar as energias, num sono tranqüilo. É o desgaste e agitação de um inquietante pesadelo. É a recompensa e o romantismo de um colorido, sonho.

A vida é o despertar como o sol que nasce preguiçoso e se agiganta durante o dia. É continuada como as quatro estações. Dividida como as fases da lua. Tem seus altos e baixos como nas marés. A vida é a tradução da natureza, em luzes, cores e sabores. Porque não valeria a pena? 

ecobueno




sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Ser Só


Os primeiros raios de luz, preguiçosamente, aos poucos, no céu, vão formando a teia de um novo amanhecer. É momento de levantar. A noite fora longa e insone, como tantas outras. Nesse novo-velho amanhecer, a vida instintiva, que nos move em busca de motivos para mais uma etapa, revela-nos mais um dia.

Atordoado por uma noite quase interminável, algo rotineiro desde quando  a realidade de estar só, bateu a minha porta e revelou a grandeza da minha pequenez, ouvi uma voz.


- Você não respondeu meu bom dia. Não ouve, ou finge não me ouvir? – reclamou.

- Quem é você?  - Murmurei meio desnorteado e ao mesmo tempo apreensivo.

- Bem, não importa quem sou, somente o que vou te dizer – respondeu evasivamente.

Resolvi não dar muita atenção e me concentrar nos afazeres de toda manhã. Talvez isso , aquilo, a voz, sei lá, fosse o reflexo de uma noite em claro. Continuei em minha rotina. Porém o  silêncio ensurdecedor que me era costumeiro, estava diferente e inquietante.

Após o banho, me troquei e fui tomar o café. Ao levar a xícara a boca, o silêncio se rompeu e aquela voz  ecoou mais incisiva e clara.

- Seu café está amargo? – Me lembrou, com um tom de deboche.

-Sim, prefiro ele sem açúcar! – Exclamei, fingindo não entender a pergunta.

- Não foi nesse sentido que quis dizer, você sabe... Seu café está amargo, não pela falta de açúcar, mel ou adoçante, e sim pela falta de companhia. Seu café da manhã é enriquecido com o sabor da solidão – completou com um sorriso contido, de canto de lábios.

Não quis, ou melhor, nem tinha argumentos para responder. Era a pura verdade. Eu estava só, e não era novidade. Antes que a voz pudesse continuar, de um só gole tomei o restante do café, já frio, e saí de casa o mais rápido que pude. Parecia um fugitivo de mim mesmo.

O dia parecia transcorrer corriqueiramente. Não queria me recordar do que ocorrera pela manhã. E absorto aos meus afazeres, nem  dera conta  que o tempo passara e já era hora do almoço.

Fui almoçar e ao me sentar à mesa, algo despertou-me para a realidade. A voz se fez presente. E feito uma metralhadora, disparou certeira: - Então, como está seu almoço? Sem sal, sem tempero, sem gosto?

Levei um susto. Quase me engasguei.  O tom da voz parecia mais forte e impiedosa. Afastei automaticamente o prato, como se ele fosse o culpado. Talvez se não a “alimentasse”, ela simplesmente se calaria, pensei. Pura ingenuidade.

- Nada disso vai adiantar – insistiu – quanto mais você tenta me ignorar, mais clara e audível estarei. Você aí, almoçando sozinho, revela o tamanho da sua importância. E não pense que o universo conspira contra você, não! Ele é apenas um lugar para os mais representativos, o que no seu caso... – suspirou sarcasticamente – é duvidoso.

Tais palavras foram como um soco no estômago. O que havia ingerido se transformou numa bola amorfa e indigesta. Me levantei, fui ao banheiro, lavei o rosto, estava pálido, tentando aliviar a tensão. Olhei no espelho e não me vi. A voz, ao longe parecia regojizar satisfeita e vitoriosa.

O restante do dia se arrastou mórbida e lugubremente. O efeito daquelas palavras mal digeridas ainda ressoavam em meu ego. Entardeceu, a voz, apesar de se fazer presente, nada dizia. A noite caiu, hora de voltar para casa. Na verdade não queria voltar. Abreviei o máximo que pude. Afinal quem encontraria? Quem me esperava? O vazio? A voz? Ou simplesmente, ninguém. O que poderia era pior? Não conseguia distinguir...

Mas como é inevitável, voltei. O calor do dia me deixara exausto. Demorei o quanto pude no banho, como se a água que caia do chuveiro fosse um bálsamo que me aliviaria de um dia modorrento. Terminei o banho. Confesso que relaxei um pouco. O silêncio imperava.

Resolvi preparar algo para comer, como não havia tomado café direito e o almoço não descera bem, a fome apertava. Preparei algo rápido e leve, macarrão alho e óleo (ao menos era o que parecia), umas folhas verdes e um copo de água para ajudar na digestão.

Tudo posto à mesa, arrumado, me sentei. Ao dar a primeira garfada um estrondo, feito um trovão, abalou o silêncio.

- Não adianta arrumar os pratos, talhares, travessas ou o que quer que seja, pois nada disso tirará essa sensação que te toma agora – ressoou a voz, cinicamente.

- Será que não posso ter um momento de paz, nem ao menos para comer? – retruquei indignado, com as poucas forças que me restavam, após um dia estafante.

- Muito bem. Isso mesmo. Vamos lá. Continue. – a voz, me incitou ironicamente -  Esse tipo de reação em nada me surpreende. É só isso que pode fazer? Sabe que  esse jantar é apenas o complemento de um dia em que sua única companhia fui eu. E em nada vai adiantar essas reações destemperadas.

- O que não adianta é você ficar me azucrinado dessa maneira! – interrompi rispidamente  – Não pense que vai estragar mais uma vez minha refeição. Pode falar o quanto quiser vou continuar comendo.

- Você sabe muito bem que o que estou falando é a mais pura verdade – continuou - você deve brindar seu jantar com sua eterna companheira, a solidão! Não é só nessa, nas demais refeições, sua única companhia além dela, serei eu. É a sua realidade, não adianta fugir – completou com ar de superioridade e se calou.

Terminei o jantar num silêncio sepulcral, podia ouvir barulho da mastigação. Tomei a água para ajudar na digestão e fiquei esperando algum comentário da voz. Nada. Então percebi que apesar daquela parecer impiedosa e me atrapalhar, nada mais era que minha única companhia nesses momentos de solidão. Amanhecer, entardecer, anoitecer sozinho é assim automático. Apenas um brinde vão.

- Voz, cadê você? Está me ouvindo?!



Ecobueno2013

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Das Cores
















Dizem que belos, são os louros
Mas isso torna-se um fio vão
Ao contrastar tais melenas
Com esses castanho-sinceros
Que em ti, não cabe comparação

Dizem do belo azul infinito
Que não é deveras único
Pois tem o preto, o verde mar
E tantas outras cores do globo
Que contem o branco do olhar

Dizem do brilho estelar
Que nas noites de luar existe
Mas a magia também insiste
Nessas luzes diárias, prisma
Que decanta sua alma

Dizem da beleza que na tez explode
Revelando lindos traços, audaz
Que num belo dia tornar-se-á fugaz
Mas os teus revelar-se-ão, perene
Quando o tempo riscar a face

Ecobueno13


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Um Dia Um Adeus


Fevereiro de 1988, o verão em dias quentes e abafados, ardia. As marchinhas, os sambas enredo, a celeuma das expectativas traziam a atmosfera de um grito que há doze meses esperava para ecoar: o carnaval!
Mas nem todos viviam tal momento. Não era por preceitos culturais, religiosos ou por simples indiferença. Era por um motivo que ninguém quer passar, mas que inevitavelmente terá que enfrentar um dia.
Ela, uma mulher simples que mal assinava seu nome, mas com dedicação e sacrifício conseguiu educar seus três filhos. A sua maneira, deu-lhes a dignidade de viver com hombridade. Sua maior preocupação era que pudessem ter uma vida melhor e digna. Mesmo em meio as adversidades foi capaz de ensinar a sorrir e ter fé no amanhã. Quanta força!

Mas apesar dessa força aliada a muita espiritualidade, não foi capaz de se livrar de um vício que a dominava, e apesar de seu efeito devastador é  encarado como se fosse mais um dos prazeres da vida, o álcool! Há alguns anos vinha sofrendo com internações constantes que além de maltratar a carne, minavam aos poucos sua alegria e a esperança.
Como eram difíceis seus dias quando tomada de lucidez se via sucumbida pelo flagelo do vício. Suas lágrimas rolavam, quem sabe por se culpar por uma suposta fraqueza. Não sabia, mas aquilo não era uma simples fraqueza e sim uma patologia que depois de avançada, tomava o corpo, minava os órgãos e lentamente corroía a alma.

Havia momentos que se via impotente às reações de um corpo que sofre de abstinência. Por ser dependente, a falta do álcool na corrente sanguínea levava seu organismo a um estado sofrível caracterizado por falta de ar, aumento da frequência cardíaca, suor excessivo, entre outras coisas. O pior era que sua mente, que muitas vezes ficava confusa, entrava em colapso, o que acarretava em alucinações e visões, que jurava serem reais.
Essas alucinações eram desconcertantes. Via aranhas no teto, ratos gigantes e outros seres apavorantes. Em seu rosto, feições de medo e angustia revelavam a incrível capacidade da mente humana em criar fantasmas que se tornam realidade. E os piores monstros, os quais não é possível fugir ou ignorá-los, não são externos e sim internos. Então achava que a única saída era tomar mais uma dose, sem perceber que o alivio momentâneo só alimentava o circulo vicioso.

Num fatídico dia, após mais uma das muitas internações,  o mais duro dos golpes marcaria e, de certa forma, mudaria os rumos. Uma viatura vermelho e preto, parou em frente ao portão de casa, era a polícia. Numa mistura de aflição e medo fez com que a adrenalina subisse e confundisse os pensamentos. A única reação foi de não ter reação alguma. Ao ouvir a notícia de que ela jamais voltaria para casa, os olhos marejaram e antecipando a quarta de cinzas. Minha mãe, nesse dia partia, sem fantasias, do carnaval da vida.
Ps.  Vinte e cinco anos depois consegui escrever sobre uma despedida que não tive. Mesmo assim sentindo como se fosse hoje a dor da ferida do meu primeiro adeus, só me resta a solidão.
Ecobueno13

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Cor: Libido!

  O carmim
  Da sua pele
  Dentro, assim
  Libido, insere

  No rubro da face
  Lábios vermelhos
  Molhados, estremece
  Na sua nuca, recostados

  O ébano dos pêlos
  Sedosos, roçando, acariciando
  Todos seus poros
  Invadem olores, infindos

  O róseo enegrecido, perfume
  Receios, anseios, seus seios
  Os dedos tocam
  Seus desejos, despertam

  O carmim, sem fim
  O rubro, paixão enfim
  O ébano, enigma
  O róseo-enegrecido, vida!

  Ecobueno