Os primeiros raios de luz, preguiçosamente, aos poucos, no céu, vão formando a teia de um novo amanhecer. É momento de levantar. A noite fora longa e insone, como tantas outras. Nesse novo-velho amanhecer, a vida instintiva, que nos move em busca de motivos para mais uma etapa, revela-nos mais um dia.
Atordoado por uma noite quase interminável, algo rotineiro desde quando a realidade de estar só, bateu a minha porta e
revelou a grandeza da minha pequenez, ouvi uma voz.
-
Você não respondeu meu bom dia. Não ouve, ou finge não me ouvir? – reclamou.
-
Quem é você? - Murmurei meio desnorteado
e ao mesmo tempo apreensivo.
-
Bem, não importa quem sou, somente o que vou te dizer – respondeu evasivamente.
Resolvi
não dar muita atenção e me concentrar nos afazeres de toda manhã. Talvez isso , aquilo,
a voz, sei lá, fosse o reflexo de uma noite em claro. Continuei em minha rotina. Porém
o silêncio ensurdecedor que me era
costumeiro, estava diferente e inquietante.
Após
o banho, me troquei e fui tomar o café. Ao levar a xícara a boca, o silêncio se
rompeu e aquela voz ecoou mais incisiva
e clara.
-
Seu café está amargo? – Me lembrou, com um tom de deboche.
-Sim,
prefiro ele sem açúcar! – Exclamei, fingindo não entender a pergunta.
-
Não foi nesse sentido que quis dizer, você sabe... Seu café está amargo, não pela
falta de açúcar, mel ou adoçante, e sim pela falta de companhia. Seu café da
manhã é enriquecido com o sabor da solidão – completou com um sorriso contido, de
canto de lábios.
Não
quis, ou melhor, nem tinha argumentos para responder. Era a pura verdade. Eu
estava só, e não era novidade. Antes que a voz pudesse continuar, de um só
gole tomei o restante do café, já frio, e saí de casa o mais rápido que pude. Parecia
um fugitivo de mim mesmo.
O
dia parecia transcorrer corriqueiramente. Não queria me recordar do que
ocorrera pela manhã. E absorto aos meus afazeres, nem dera conta
que o tempo passara e já era hora do almoço.
Fui
almoçar e ao me sentar à mesa, algo despertou-me para a realidade. A voz se fez
presente. E feito uma metralhadora, disparou certeira: - Então, como está seu
almoço? Sem sal, sem tempero, sem gosto?
Levei
um susto. Quase me engasguei. O tom da voz parecia mais forte e
impiedosa. Afastei automaticamente o prato, como se ele fosse o culpado. Talvez
se não a “alimentasse”, ela simplesmente se calaria, pensei. Pura ingenuidade.
-
Nada disso vai adiantar – insistiu – quanto mais você tenta me ignorar, mais clara
e audível estarei. Você aí, almoçando sozinho, revela o tamanho da sua importância.
E não pense que o universo conspira contra você, não! Ele é apenas um lugar
para os mais representativos, o que no seu caso... – suspirou sarcasticamente –
é duvidoso.
Tais
palavras foram como um soco no estômago. O que havia ingerido se transformou numa
bola amorfa e indigesta. Me levantei, fui ao banheiro, lavei o rosto, estava pálido,
tentando aliviar a tensão. Olhei no espelho e não me vi. A voz, ao longe parecia
regojizar satisfeita e vitoriosa.
O
restante do dia se arrastou mórbida e lugubremente. O efeito daquelas palavras
mal digeridas ainda ressoavam em meu ego. Entardeceu, a voz, apesar de se fazer
presente, nada dizia. A noite caiu, hora de voltar para casa. Na verdade não
queria voltar. Abreviei o máximo que pude. Afinal quem encontraria? Quem me
esperava? O vazio? A voz? Ou simplesmente, ninguém. O que poderia era pior? Não conseguia distinguir...
Mas
como é inevitável, voltei. O calor do dia me deixara exausto. Demorei o quanto
pude no banho, como se a água que caia do chuveiro fosse um bálsamo que me aliviaria
de um dia modorrento. Terminei o banho. Confesso que relaxei um pouco. O
silêncio imperava.
Resolvi
preparar algo para comer, como não havia tomado café direito e o almoço não
descera bem, a fome apertava. Preparei algo rápido e leve, macarrão alho e óleo
(ao menos era o que parecia), umas folhas verdes e um copo de água para ajudar na
digestão.
Tudo
posto à mesa, arrumado, me sentei. Ao dar a primeira garfada um estrondo, feito um trovão, abalou o silêncio.
-
Não adianta arrumar os pratos, talhares, travessas ou o que quer que seja, pois
nada disso tirará essa sensação que te toma agora – ressoou a voz, cinicamente.
-
Será que não posso ter um momento de paz, nem ao menos para comer? – retruquei indignado,
com as poucas forças que me restavam, após um dia estafante.
-
Muito bem. Isso mesmo. Vamos lá. Continue. – a voz, me incitou ironicamente - Esse tipo de reação em nada me surpreende. É só
isso que pode fazer? Sabe que esse
jantar é apenas o complemento de um dia em que sua única companhia fui eu. E em
nada vai adiantar essas reações destemperadas.
-
O que não adianta é você ficar me azucrinado dessa maneira! – interrompi
rispidamente – Não pense que vai
estragar mais uma vez minha refeição. Pode falar o quanto quiser vou continuar
comendo.
-
Você sabe muito bem que o que estou falando é a mais pura verdade – continuou -
você deve brindar seu jantar com sua eterna companheira, a solidão! Não é só nessa, nas demais refeições, sua única companhia além dela, serei eu. É a
sua realidade, não adianta fugir – completou com ar de superioridade e se
calou.
Terminei
o jantar num silêncio sepulcral, podia ouvir barulho da mastigação. Tomei a
água para ajudar na digestão e fiquei esperando algum comentário da voz. Nada.
Então percebi que apesar daquela parecer impiedosa e me atrapalhar, nada mais
era que minha única companhia nesses momentos de solidão. Amanhecer,
entardecer, anoitecer sozinho é assim automático. Apenas um brinde vão.
-
Voz, cadê você? Está me ouvindo?!
Ecobueno2013