Todo fim de ano é a mesma coisa. O velho se vai, e o novo renova todas aquelas promessas que são feitas no espocar dos fogos, tal qual a espuma das taças de champanhe, transbordam em frases vazias. Ano novo, tudo novo de novo!
E para que não ficasse só nas promessas, achei melhor, para começar o ano, deixar de lado o sedentarismo e fazer caminhada. A visita a uma loja de artigos esportivos repleta de cartazes divulgando a variedade de marcas e modelos, estampando imagens de pessoas lindas, sorridentes, correndo, levantando pesos com o minimo de esforço, alongando com flexibilidade elástica, dando a impressão de que é tudo fácil, me deixou entusiasmado. Quem sabe não estaria ali a "promessa" de um grande medalhista, eu.
Decidido falei com o vendedor, ou
melhor, “personal salesman” - Hoje é assim, tudo tem um personal – que gostaria
de comprar acessórios para caminhada. – “Walking”! Corrigiu ele, completando. - Sim
temos, tênis com amortecedor, “shirts” que ajudam na transpiração, “shorts” que
não apertam, stokings que evitam bolhas, tudo com tecnologia “high tech”. Foi
assim que fui apresentado ao mundo “fit”.
Bem, só no dia seguinte, afinal
ninguém é de ferro, precisava descansar da longa maratona de compras, devidamente
paramentado fui para a pista. Apesar do aspecto do parque ser de abandono, nas águas do lago que onduladas pela brisa suave, refletiam os primeiros raios
de sol da manhã, revelando um balé de cores únicas, era a natureza me dando as
boas vindas.
Seguindo as orientações contidas
numa dessas revistas de “health”, num breve aquecimento me preparei. Me sentia um verdadeiro atleta. Zerei o
cronômetro, arrumei os óculos contra raios UV, conferi a garrafa d’agua, respirei
fundo e, mesmo com certa dificuldade devido a ação do tempo aliado a falta de
exercícios e acrescido de algumas cirurgias, não me fiz de rogado, me lancei na pista num
desfile desajeitado e cômico, porém sem perder o entusiasmo.
Após ter conquistado alguns
metros, que pareciam quilômetros, ainda via a linha de partida colada aos meus
calcanhares. Sem contar que me sentia culpado por esbanjar o precioso liquido
numa época de racionamento de água, devido ao suor que escorria pela face.
Ofegante e já pensando em
desistir, eis que vejo passar por mim uma pessoa com seus traços senis, deixando
claro que sua idade era bem mais que meio século. Foi tão rápido que me fez sentir
uma espécime em extinção.
Ah, isso mexeu com meus brios. Não
poderia engolir tamanha afronta. Mesmo quase desvalido, resolvi dar o troco. E
num esforço sobrenatural, com os passos trôpegos, fui ao encalço do ilustre “desafiador”.
A cada passada era possível ver que o espaço diminuía. Mais um pouco e a
vitória seria avassaladora.
Tentava pensar em algo que
pudesse dar o troco e mostrar minha “superioridade”. Mas como as forças eram
raras, o cérebro mal funcionava, se conseguisse, ao ultrapassá-lo, fita-lo com
olhares de desdém e dar de ombros já seria a glória. O doce sabor da vingança me fazia continuar mesmo que o corpo quase sem energia reclamasse pelo descanso.
Foi o que fiz, ou melhor tentei
fazer. Quando estava lado a lado, empinei o nariz, estufei o peito e dei aquela
olhada de soslaio, desafiadora e desdenhosa. Mas não imaginei que tamanho
esforço, para um corpo já se esvaindo em si mesmo, poderia ser tão perigoso.
Isso ocasionou uma reação em
cadeia. Resultado: Os braços perderam o ritmo, a vista escureceu, o quadril travou
e as pernas trançaram. Perdi o compasso e o tropeço nos próprios calcanhares
foi inevitável. Num átimo de tempo me senti o verdadeiro Dom Quixote,
personagem de Cervantes, quando em uma das suas inúmeras alucinações, de lança
em riste, montado em seu cavalo Rocinante e imaginando que as pás de um moinho de
vento fosse um gigante ameaçador, parte para o ataque. Quando a lança atinge essas pás,
combinado com o vento, elas giram e o projetam violentamente no ar, o que lhe
dá a doce sensação da liberdade de estar voando. Caí na real, ou melhor, no chão espalhando óculos
e garrafa d’agua pelo caminho.
As
pessoas prontamente me ajudaram. Mesmo com dificuldades, tentei me refazer dando a falsa impressão que fora apenas uma queda acidental. Mas pensei: Ah, se
soubessem da minha verdadeira intenção. Melhor não deixar transparecer. O castigo veio a cavalo, ou melhor, a passos de tartaruga. Meio
sem jeito agradeci e saí o mais rápido que pude. A dor das escoriações não eram maior que a dor da vergonha.
Esse foi o fim trágico de algo que nem havia começado. E a Promessa? Que promessa?!?! Melhor voltar para minha sedentária insignificância de onde jamais deveria ter saído. Prometo.
Ecobueno
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